(Euphoria) Jules e a esperança.

Cauana Mestre
2 min readApr 19, 2022

--

Jules (Hunter Schafer) talvez seja a personagem mais bonita de Euphoria. Ao escancarar o que a decomposição do mundo lhe faz, é fácil imaginar que ela nos mostraria o caminho do desastre inevitável. Mas, ao contrário, Jules nos conduz ao amor, essa forma fundamental de cura. Aqui, não me refiro ao amor imaginário, do plano da identificação ideal, mas ao amor enquanto causa e núcleo de acesso à alteridade. Esse L’Amour Autre de Hélène Cixous em O riso da Medusa, que “ousa o outro” ou, como escreve Frédéric Regard no prefácio do livro: “o próprio amor, o amor inteiro, estendido em relação ao mesmo como em direção à sua diferença vindoura, a amança de amar”. ⁣

A teoria lacaniana me ensinou que sofremos de uma defesa rígida frente ao feminino — e que pode ser lida como a barreira que edificamos para não esbarrarmos nessa alteridade que nos habita, mas nos escapa. Tenho a sensação de que Jules representa o exercício de derrubada, uma demolição das defesas primordiais, um consentimento vivo e abundante às nossas extensões. Não somos seres de unidade, somos fragmentados em larguras que nos assombram, somos pequenos demais para as imensidões que moram em nossos corpos. A pergunta subjetiva que levamos tanto tempo para nomear não é “quem sou eu?”, e sim “o que eu faço com isso que sou, que forma dou a esse mal ajambrado que leva meu nome?”⁣

“Penso em algo como o oceano … penso que quero ser bonita como o oceano. Porque o oceano é forte e feminino pra caralho e essas duas coisas fazem o oceano ser oceano”, é o que diz Jules em sua belíssima sessão de análise da primeira temporada. ⁣

De vez em quando aparecem algumas coisas que nos marcam na vida. Não são muitas, isso é um engano que acabamos por produzir diante do assédio de coisas ao qual nos entregamos todos os dias apenas por existir nesses tempos. É possível que daqui a alguns anos eu não me lembre dessa série, mas sem dúvida me lembrarei de uma certa personagem que apareceu e que conversou com a psicanálise e com tantas autoras e com tantos textos que eu lia enquanto a via e que, junto dessas palavras alheias, me convidava a estender-me diante do oceano, em direção à diferença.

--

--

Cauana Mestre

Psicanalista. Mestranda em Estudos Literários (UFPR). Ando pela psicanálise, pela arte e pela literatura.